Sunday, September 18, 2011


A COR 
NÃO É COR DE COISA ALGUMA (I)













Muito se fala acerca das coisas, no entanto muito pouco se sabe. Por exemplo, quando se diz que a «coisa em si mesma é a mais fácil de conhecer de todas as coisas» isso não é mais do que rir das coisas, perdendo-lhes o devido respeito. Porque a «coisa em si» é a natureza da própria coisa em seu silêncio, em seu ser fechado.

"Como assim?
A coisa em si não se entrega?..."

- De modo algum!...
Vive em seu mundo,
E é para nós
O que há de mais abstracto.
















De súbito, ao olhar para este chão, apercebo-me que a «coisa em si» que piso é indiferente à classificação que lhe damos, à sua verdade impossível de captar, à sua não-verdade, ao seu nada autêntico. E se lhe tocamos, o que sentimos é nosso está em nós. Neste sentido, e porque é o objecto que estimula a nossa sensação, dizemos naturalmente: «o objecto é quente, é frio, etc, etc...» Mesmo assim, alguns poderão demonstrar que a sensação passa para nós.















"Admitindo que passa,
A interpretação será nossa?..."
















- Nossa até certo ponto!...
Entretanto, faço-te a pergunta:
Poderás sentir ou gostar
Sem ser por tua causa?...
A razão é tua ainda...















"Mas tu disseste..."

- Eu sei a que te referes...
E onde é que isso vai dar?...
Deixemos isso e ouve com atenção:
Se alguém ou alguma coisa
Te diz ou faz
Seja o que for,
A resposta é tua...
Quero dizer:
Ninguém "fala com a minha voz",
Ninguém "ouve por mim"...
É tudo uma forma de ser em si,
Sem ser para nós
Ou em nós.















"Sem ser?...
Onde queres chegar?
Nunca és verdadeiramente directo..."

- Nada é directo!...
Quanto a esse "ser",
Devo esclarecer-te
De que todo o ser

É em si "coisa geral".
É quase ao mesmo tempo
Noção inconsciente do devir,
Ou porque o ser não estaciona.















"A coisa não pára?..."

- Nem em si!...
Então perguntarás:
"O que é preciso?
Pensar é conveniente?"
Dir-te-ei:
Sim...
Pensar é ler,
Ou seja:
Mesmo reflectindo
Não deixamos de fazer leitura.
Contudo ainda, reflectir é ler.















"Então pensar é isso?"

- Exactamente!...
E uma vez que a nossa verdade

Está em causa,
Teremos de fazer daquilo,
Que julgamos ter determinado,
Um outro "aquilo",
Como sendo o que terá de ser...

Assim tem sido!...















"Portanto,
Coisa em si
É ser em si?..."

- Mas ser
Não é conclusão,
Nem determinismo somente...
É mais do que isso:
É ser para isso
Movimento!...
















"Ser é realmente devir?"

- Não há paragens.

"Devir...
E quando, como?..."


Face a isto, é fácil compreender que estaremos sempre do lado de lá do mundo, como se estivéssemos dentro de qualquer espelho. Sobretudo porque "eu próprio" significa "coisa em mim".

"O que acabo de ouvir
Deixa-me confuso,

E justamente por isso
Impõe-se fazer-te esta pergunta:
Tudo aquilo que pretendo saber
Justifica a minha ignorância?..."


- Nem tudo...


"Pensei que a resposta
Seria outra..."


Com isto, o poeta revelou a sua posição...ele estava a levar longe demais aquilo que sabia. É preciso ponderar os ânimos antes de se fazer perguntas invulgares, como por exemplo:

- Onde está o "outro lado",
A outra metade,
O equivalente da existência?...















"No pensamento?..."

- No pensamento?!...
Ora se o pensamento
For a causa da existência...



















"Da existência?!"

- Sim!...
A existência é uma ideia...
Do lado de cá da ideia
A coisa é outra!...














"Não compreendo..."

- E se mesmo assim
Me atiro "para cá do tempo"

E me deixo aí,
Porque razão
Me guardo sempre para depois?...
Lamentarás imenso...
Neste "levar-me daqui",
Como que em desistência,
Não pode deixar de haver uma intenção:

Intenção de fuga enquanto penso.
















"Pensar...
O que será pensar?

Será somente ler?..."

- Pensar...















De certa maneira, penso que pensar é fugir ao estaticismo da presença. Mas não...também não...enquanto se pensar poderá permanecer a ideia de fuga...enfim, a coisa escapa-se de novo.

"És insaciável!..."

- Não percebes?...
Essa fuga é,
Em certa medida,

Renunciar indirectamente à existência.



















"Continuar a viver
Não é querer viver?"

- Antes de mais,

O que queremos é
Usufruir da si
tuação...
Damos pouco valor à vida!...
Em relação a este facto

Toda a existência
Tem um carácter absurdo,
Por ser irrelacionável.
E depois, é simples demais...
Direi mesmo:
A existência parece não existir.
















"Quase não compreendo..."

- Será que só existe aquilo
Por onde a existência passa?
Aquilo que eventualmente acaba
Ou se transforma?...




















pena..."

- Não entendes?
Tudo é acontecimento.
Mas é melhor
Pensarmos nisto mais tarde...

«Pensar», dizia eu:
A verdade é que
Arranjamos sempre maneira
De substituir as coisas...
Também aqui devemos desconfiar...

"E afinal para quê?
Se ao menos pudessemos evitar a morte...

E sabe-se lá de que forma morreremos..."















- De que forma?...
Poeta!...
Não se morre de maneira nenhuma:

Nem como sábio,
Nem como ignorante,
Nem como Homem.

"Nem como coisa alguma?"



















- Apenas se morre!...

"Morrer...
O que é a morte?..."

-É um problema de consciência.















"E o Homem?"

- É isso mesmo,
Não passa de consciência!...
O que é conveniente?

O que é conveniente é estar preparado para a morte. Porque quando tal suceder não passaremos do instante...ou como se nunca tivéssemos existido em tempo algum.

"Aí lhe veremos o fundo..."















Pensando bem, creio que nunca saí dele instante como instante em que nasci...ou ainda como se tivesse caído nele. Ainda noutro ponto de vista, penso que venho de mais longe, para cá do tempo sem origem...talvez do nada para o nada.

"Sendo assim,
A morte é realmente
Um problema de consciência..."

- Como vês,
É preferível

Continuar a desejar

Que me queiram.
Mas, verdadeiramente,
Só eu me quero para mim:

Onde tudo é

Desassossego,
Decepção,
Incluindo eu...
















"Será isso
Uma tentativa de estourares?..."

- A decepção
É já por si um estouro!...
Não!...
Quando for assim
É melhor ficar no suficiente,
Muito embora não se passe disso.

"Pois é..."

- Em face do exposto,
O Homem segue incompleto,

Agindo
Como se tivesse traçado para si
Um itinerário.

Mas o pensamento é gratuito.


















"Por ser determinado?"

- Sim!...
E não adianta pensar
Que se pensa por cima da linguagem
Para se ser mais que consequente!...

Se formos atentos na leitura,
Constataremos que antes da palavra
Havia o silêncio
Convertido em noite profunda...

Depois dela,
A realidade manteve o seu silêncio

E, a partir daí,

Tudo passou a ter aproximação.











"Aproximação, como?..."


- As coisas
Não eram,
Nunca foram,

Unicamente pareciam...

E, simultaneamente,

Parecia haver
Uma ligação adequada

Entre elas...















"Sendo assim, é pena..."

- Tudo se deixa num parecer...

"Parecer...parecer...
O que é parecer?"


- Mas que coisa...
Hoje não paras de perguntar...
Parecer?...
Parecer é não ser!...
Repara:
Esta palavra não é articulada,

É uma aproximação indefinida
Como quando um raciocínio

Aborda em vão o esboço duma ideia,

Tentando colocar nela a lógica.

Contudo, a Coisa

Está ainda no fundo de tudo.
















"De tudo?!..."

- Isto é uma força de expressão!...

"Diante disso, torno-me tímido..."

- Regressarás ao silêncio
Pelo silêncio...

Mais concretamente:
A um leve silêncio da renúncia.

"Como será esse silêncio?"


- É um silêncio vazio,

Para cá do pensamento.















"É assim uma coisa
Como uma atitude simples?"















- Como um reflexo passivo
De consciência breve...


"Breve...
E porquê?..."


- Porque o Homem
Não é inteiro de consciência!...















"Como posso compreender isso?"

- Ouve com atenção:
Na maior parte dos casos,
O Homem limita-se na suficiência,
E aquilo que mais o caracteriza,
Como consciência inteira
Que pretende ser,

É a consciência que vai tendo
Da sua humildade para consigo...
















"E depois?
O que interessa

É que toda a possibilidade

Possa cair no círculo do real..."


- Não me faças rir!...
Isso é inevitável...

"Será que tudo o que expões
Te convencerá?..."


- A maior parte...
E quando assim acontece

Estou de bem comigo...

Em todo o caso,
A dúvida subsiste.




















"Essa dúvida subsiste
Mesmo no caso de Deus?"

- Sem dúvida!...
















"Mas um dia tu disseste
Que acreditavas Nele,

«Através de um raciocínio irrefutável»!..."


- Sim...

Mas não posso dispensar a dúvida.
No entanto, Toda a dúvida actua periodicamente...
E isso liberta-me de quando em quando.
Ela levar-me-à sempre
A uma conclusão mais eficaz,
Contudo volta sempre...
Ou melhor:
Regresso a ela.

"Ah! Agora percebo..."

- Deixemos isso!...
E agora, diz-me:

O que represento para ti?...










"Sinceramente, não sei!..."
 

(Um tema: "PALHAÇO" -
Egberto Gismonti)
(continua)

Boa semana!


Pain-Killer

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