Tuesday, November 11, 2008


NUM BANCO DE JARDIM

ÁS ÚLTIMAS HORAS
DUMA MANHÃ DE OUTONO













Tal qual, sem coisa alguma! É simplesmente um banco na cor da madeira. E o resto?, o resto são flores pequenas, desabrochando para cá do tempo.

" De onde vens? "


- Do café.

" Que viste em especial? "


- A ventoinha amarela.











" Conta-me... "

- A ventoinha amarela
No rectângulo do tecto,
Estava simbolicamente parada.

Havia em si a imagem dum leve fascínio...
Só o desconhecido me poderia atrair.

" E então? "


- Teria de haver movimento

Na ventoinha parada.


" Como é isso possível? "


- O inanimado vive!...















"
E como? "

- Tem a sua maneira de existir.


" E depois? "


- A ventoinha era à circunferência...

" Não compreendo! "


Aqui, refiro-me à circunferência habitual que lo
gicamente lhe corresponderia caso estivesse em movimento. Essa circunferência estava ausente em todas as pessoas, somente existindo em mim por mera arte.














" Por mera arte!? "


- Sim... numa tendência simbólica.

Em dada altura, a arte preenchia um vazio
E eu aguardava...

Por isto, associo e reconheço,

Que dizer-se em termos de arte:

« Passamos da imagem ao símbolo »
É desconhecer que a imagem no seu aspecto primário
É a forma natural do próprio símbolo.


" E quanto à ventoinha,
O que ela tinha de especial? "


















A pergunta do poeta denota uma certa pertinência, o que é compreensível, porque naquele momento a ventoinha era algo mais. Havia nela uma trágica semelhança com um relógio vulgar, suspenso, sobre a indiferença enjoativa das pessoas.


- Quanto à ventoinha,

Houve uma altura em que fechei os olhos:
A ventoinha surgiu-me em movimento

E a minha vontade hesitou um pouco ao vê-la circular
...

" E circulou mesmo?... "

- Qualquer um diria que não,
Mas a ideia da forma

Era a forma da ideia em movimento.













Por outro prisma, isto não era mais do que cair em abstracção e pensa-la como abstracção... na verdade, a ventoinha era um pretexto para descer até ao inconsciente e desta feita, ler c
uidadosamente a sua mensagem. Atento e regista-la, era essa a minha intenção. Só assim poderia tornar subjectiva toda a verdade conveniente, para que a subjectividade fosse por fim objectiva.

" Foi preciso isso tudo
Para chegares ao inconsciente? "

- Não houve propósito da minha parte,

Nada faço por minha livre vontade.


" Nada mesmo? "


- Nunca intervenho naquilo que consideras

As « minhas intenções »...


" E o relógio?... "














- O relógio?

Talvez o relógio fosse a circunferência
Vista de outro ângulo...


" Não percebo!

E o empregado?... "


- Esse,

Trazia em todo o seu corpo

A ventoinha, o amarelo à cor,

O rectângulo ao próprio tecto,
De cima a baixo.

















" E a circunferência? "


- Lá estava...

Repetida em cada olho que me via,

Foi isso que encontrei.


" Só?... "


- Restou saber
O que estava implicado naquilo que encontrei.


Boa semana!


( Um tema: " CHAN' S SONG "- Michael Brecker )


Pain-Killer

2 comments:

naturalissima said...

Bela edição na expressão das imagens, muito bem apanhadas e tratadas (com muito nível artístico).
Maravilhosas no simbolismo acompanhando as palavras filosóficas e metafóricas que nos levam àqueles momentos de reflexão ou de pequenas viagens associativas que muitas vezes temos quando estamos sozinhos.

"...Trazia em todo o seu corpo
A ventoinha, o amarelo à cor,
O rectângulo ao próprio tecto,
De cima a baixo."

Na fuga da solidão, dos nossos demónios, das nossas frustrações, procuramos substituir muitas vezes (e ainda bem)por reflexões e imaginações fantásticas.

Faz parte do nosso crescimento espiritual e filosofico.

Amor meu, gostei muito, muito, mas muito deste post.
Parabéns pela apresentação estéctica e harmoniosa das cores, movimentos e do sentido das palavras.

Beijo-te carinhosamente e com amor.
até já ;-)
danyelloweyou

Rocha de Sousa said...

A Daniela tem razão, este post é formalmente muito bem engendrado,
racord de imagens, redução dos in- tervenientes a uma lógica dialogan-
te (duas vozes que se defrontam no
que se refere ao movimento e símbo-
lo da forma/imagem) e uma terceira
voz de narrador/comentador, no lu-
gar e na cor certos. É interessante
também a partida numa ligação a ou-
tra imagem de uma fase iniciadora da autonomia do criador.
O movimento é real ou implícito, um
pouco por toda a parte, nomeadamen-
te com formas/figuras de carácter
dinâmico. Em sentido implícito,na
memória da nossa experiência, uma
ventoinha está sempre a girar, mes-
mo quando parada. A mobilidade visual baseia-se, como conceito,
nessa realidade plural, entre li-
nhas explícitas e linhas implíci-
tas. O amigo Baganha torna esta
mobilidade integrante do real, mes-
mo de formas plácidas,em transe fi-
losófico e poético. A cada um o seu
género. Mas olhe que uma forma no seu aspecto primário não é símbolo de coisa nenhuma, a menos que se trate do emblema do Porto. A «coi-
sa» é apenas isso (vide «Náusea«),
ou seja, nada. Passa à condição de
objecto se nomeada pelo homem nesse
sentido. E pode vir a enquadrar-se,
por criação humana, em símbolo - de
um lugar, de um acontecimento e as-
sim... (bem postas, as reticências)
Um abraço e parabéns
Rocha de Sousa