UM DIA JAZZ
A chuva cessou e o tempo deu a impressão de parar...as presenças ocultaram-se e as ruas encheram-se de um vazio total. Até mesmo os próprios ruídos foram cercados de silêncio...dir-se-ia que Sísifo tinha deixado de rolar a pedra por breves momentos.
"Sabes...
Há muito tempo que vivo
Preso nesta apatia...
Sinto que é altura de reagir."
- Percebo-te!...
Mas julgas que podes ver-te livre
Dessa sensação?
Assim,
De um momento para o outro?...
"Sei que não...
Tudo leva o seu tempo..."
- Tempo?...
Cá está ele!...
Por um lado é bom:
Põe-nos mais perto das coisas...
"Elucida-nos..."
- Em certa medida...
Quero dizer:
Ajuda imenso...
E nesta base
Transmite-nos
Os hábitos dos outros:
Dá-nos a possibilidade
De sabermos
Onde poderão estar
Neste momento...
"Mas também podem não estar
Nos lugares previstos!..."
- Independentemente das excepções,
Uma experiência cuidada
Raras vezes nos poderá trair.
"Isso corresponde a tudo?..."
- Está em afinidade
Com todo o Universo,
Ou seja: tem de estar!...
"E como?"
- Como?!...
Por exemplo:
O Universo
Não só é razão de ser
Como é, em simultâneo,
A razão do próprio espaço...
Está portanto
Em afinidade com ele!...
"E se a matéria
Fosse anterior ao espaço?"
- Há outra coisa
Por detrás disso tudo:
Se não houvesse Universo,
Que razão haveria
Para o espaço ser o que é?...
"Dá-me a sensação
De que tudo quanto dizes
É improvisado..."
Há um pouco de verdade nas palavras do poeta, mas, ao mesmo tempo, noto nelas um certo desdém. Seja como for, não faz mal, ele não entende nada de improviso tal como a maioria das pessoas. Duma forma geral, fala-se de improviso como se ele fosse exterior ao raciocínio, à consciência ou à experiência própria. Na realidade, tudo está interligado, como na situação presente, por meio de uma sequência de factos anteriores — tudo é vivido em fracções de segundos. Porque o improviso não é mais do que reacção espontânea manifestada através da experiência.
"Reacção espontânea?"
- Sim...
Tal como o Jazz.
"O que queres dizer com isso?"
- Tudo é sequência!...
Por outras palavras:
Ramificações
Da consciência universal.
"Devo concluir que
Nunca se inovou?..."
- Exactamente...
Há muito tempo que
A única coisa a progredir
É o apodrecimento universal
Da criatividade humana.
"Não entendo..."
- Poeta!...
Na melhor das hipóteses,
O Homem apenas terá conseguido
Dar cor ao que sempre existiu!...
"Então, o que é preciso para
Inovar, realmente?..."
- Para isso,
Uma única coisa basta.
"O quê, o quê?...
Por favor, diz-me..."
- Cortar a afinidade com tudo.
(Um tema: "I CAN'T GET STARTED" -
- Ben Webster)
Boa semana!
Pain-Killer