EXPOSIÇÃO DE PINTURA E TÉCNICA MISTA
Daniela Rocha|Miguel Baganha
Inauguração: 21 de Janeiro de 2010
CASUAL LOUNGE CAFFÉ, pelas 19:00
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Inauguração: 21 de Janeiro de 2010
CASUAL LOUNGE CAFFÉ, pelas 19:00
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MEIOS E MODOS NA ABERTURA ARTÍSTICA
A pintura, arte hegemónica durante muitos séculos, foi sacudida no século XX pelo advento da fotografia, começando assim um dos mais apocalípticos processos de transformação da sua natureza e projecto. Não foi preciso muito tempo para se perceber que o antagonismo entre esses dois géneros de expressão tinha tudo para tocar o seu supremo efeito como o contrário: tanto a pintura como a fotografia, apesar das suas diferenças, partilhavam de um processo de semelhanças, ambas podiam registar aparências do vísivel, dialogando com a realidade e o que se esconde atrás dela, transformando-a em ordem a novos conteúdos, transformando-se em relação a si mesmas, pelos meios próprios e por renovados princípios e autonomia, no interior da revolução do pensamento artístico. De forma abreviada, devemos inclusivamente acentuar que o divórcio inicial acabou por se tornar transversal aos dois uiniversos, sobretudo nos pontos em que a sua semelhança era mais impressiva, quer na representação mimética ou transfigurada do real, quer na própria osmose dos dois meios, através de tecnologias modernas e técnicas do fazer contemporâneo.
Como no caso da presente exposição, ao mesmo tempo experimental e consagrada pelas descobertas que propõe. Nem a pintura ignora matrizes texturais de raíz fotográfica, nem a fotografia o é só por si, autónoma e institucional, pois se enlaça na pintura de cunho geométrico e construtivista, convocando outros tempos de imagem para a sua forma em cada, misturando elementos e memórias urbanas, relacionando o fantástico com o sonho, além da dinâmica deste, no modo de formar em cinema, entre o imensurável, o murmurar da brisa e a dinâmica da consciência humana.
Miguel Baganha, corroborando as belíssimas foto-pictóricas de Daniela Rocha, envereda pelos caminhos da mesma aprendizagem da hibridez no século XX. É como se fizesse deslizar uma janela (cortada) sobre determinada composição geral, criando sucessivos enquadramentos e diferenças de escala, um pouco como se nos dissesse o que a prótese da teleobjectiva também realiza: e assim, o que era resto de paisagem urbana, passa ao domínio do fragmento, de novos conteúdos e novas indicações sobre as coisas, sobre a construção recuperada, sobre bocados de um mundo que se esvazia.
Daniela Rocha, com bases fotográficas fragmentárias, ultrapassa o mero domínio da representação sequenciando parte e movimentos de um todo pressentido, por vezes acordado, quase sempre entrosado por cortes ou ligações que reabrem o sentido das coisas e do mundo que elas lembram. O close-up sobre os olhos de uma boneca, ao mesmo tempo mortos e vivos, sonham assim o que atravessa a nossa consciência, a nossa mente, um imaginário feito de diluídos sobressaltos, um vento nas àrvores, uma referência breve (acantonada em baixo) à representação clássica, embora já tocada pelo efeito do sonho e do fantástico. " A Queda", série baseada em módulos cúbicos, atapetados de fungos ou pequenos fósseis do princípio dos tempos, propõe o decurso de minutos ou séculos pelo desprendimento cadenciado das peças. Este projecto, e este tipo de objectos, refaz-se porventura com maior saber, em "Corpo e Sonho", em "Olhos na Tempestade". Mas o avanço de Daniela no campo exemplificado torna-se, de cada vez e rapidamente, mais profundo: "Memória Encoberta" confronta-nos com rêctangulos alinhados e integrantes de imagens que se intemporalizam, sombras e muros de colonizações sem nome, a mulher reinventada dos anos 30 ou a estátua grega assim trajando, além de um olhar, animal ou humano, que vem a seguir e do qual se desprende a extrema melancolia diante dos genocídios contemporâneos. E a própria face de "Criança e Mantos" nos fala do mesmo destino, a máscara da inocência entre muitos frames das rendas com que sonhamos, mantos de terra, o holocausto sempre, passagens estreitas, a carta que encerra parte das nossas catástrofes e nos faz pressentir uma lágrima na face impensável, lágrima seca, tudo a presumir um futuro álbum de família, páginas e páginas passadas, quando a ressonância dos ecos houver terminado.
A história de tal metamorfose tem grande importância para a compreensão, inclusive, dos avanços civilizacionais (entre outros, de comunicação) no espaço das nossas idiossincrasias ou rasgões de alegria iluminada. E esses aspectos, que têm sido abordados por grandes pensadores do nosso tempo, que envolveram mais tratos de comparação entre todas as artes, do cinema ao teatro, dos caminhos performativos dentro ou fora do espaço tridimensional, deveriam merecer maior atenção crítica, de aprofundamento, pela parte dos próprios autores e estetas. Porque não importa tanto desfazer alguns equívocos de proximidade e mistura; trata-se, antes, de expandir o actual e bem fundado sentido de abertura, porque nenhum material é mais valioso do que o outro, porque se podem geminar, nem a tela com óleo nem o papel com aguarela se separam (ou escolhem) de acordo com a sua natureza básica; escolhem-se, isso sim, pela qualidade dos conteúdos plásticos e estéticos.
Como no caso da presente exposição, ao mesmo tempo experimental e consagrada pelas descobertas que propõe. Nem a pintura ignora matrizes texturais de raíz fotográfica, nem a fotografia o é só por si, autónoma e institucional, pois se enlaça na pintura de cunho geométrico e construtivista, convocando outros tempos de imagem para a sua forma em cada, misturando elementos e memórias urbanas, relacionando o fantástico com o sonho, além da dinâmica deste, no modo de formar em cinema, entre o imensurável, o murmurar da brisa e a dinâmica da consciência humana.
Miguel Baganha, corroborando as belíssimas foto-pictóricas de Daniela Rocha, envereda pelos caminhos da mesma aprendizagem da hibridez no século XX. É como se fizesse deslizar uma janela (cortada) sobre determinada composição geral, criando sucessivos enquadramentos e diferenças de escala, um pouco como se nos dissesse o que a prótese da teleobjectiva também realiza: e assim, o que era resto de paisagem urbana, passa ao domínio do fragmento, de novos conteúdos e novas indicações sobre as coisas, sobre a construção recuperada, sobre bocados de um mundo que se esvazia.
Daniela Rocha, com bases fotográficas fragmentárias, ultrapassa o mero domínio da representação sequenciando parte e movimentos de um todo pressentido, por vezes acordado, quase sempre entrosado por cortes ou ligações que reabrem o sentido das coisas e do mundo que elas lembram. O close-up sobre os olhos de uma boneca, ao mesmo tempo mortos e vivos, sonham assim o que atravessa a nossa consciência, a nossa mente, um imaginário feito de diluídos sobressaltos, um vento nas àrvores, uma referência breve (acantonada em baixo) à representação clássica, embora já tocada pelo efeito do sonho e do fantástico. " A Queda", série baseada em módulos cúbicos, atapetados de fungos ou pequenos fósseis do princípio dos tempos, propõe o decurso de minutos ou séculos pelo desprendimento cadenciado das peças. Este projecto, e este tipo de objectos, refaz-se porventura com maior saber, em "Corpo e Sonho", em "Olhos na Tempestade". Mas o avanço de Daniela no campo exemplificado torna-se, de cada vez e rapidamente, mais profundo: "Memória Encoberta" confronta-nos com rêctangulos alinhados e integrantes de imagens que se intemporalizam, sombras e muros de colonizações sem nome, a mulher reinventada dos anos 30 ou a estátua grega assim trajando, além de um olhar, animal ou humano, que vem a seguir e do qual se desprende a extrema melancolia diante dos genocídios contemporâneos. E a própria face de "Criança e Mantos" nos fala do mesmo destino, a máscara da inocência entre muitos frames das rendas com que sonhamos, mantos de terra, o holocausto sempre, passagens estreitas, a carta que encerra parte das nossas catástrofes e nos faz pressentir uma lágrima na face impensável, lágrima seca, tudo a presumir um futuro álbum de família, páginas e páginas passadas, quando a ressonância dos ecos houver terminado.